quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O pecado...

É malevolência humana crer no homem casto. Genocida de sua natureza. Suicida de sua própria vontade.
Fazia tempo que eu não visitava Senhorita Margô. Linda maestria da orquestra do silêncio que sofria do incessante ruído da pureza.
Por isso, fui a Minas Gerais, Coronel Fabriciano, rever a anfitriã do cordial afeto aos homens carentes e ajudá-la a combater a sensatez da ditadura dos bons costumes.
Senhorita Margo, como gostava de ser chamada, era dona do bordel Monte Videl, localizado próximo ao bairro industrial.
Margo havia me escrevinhado para relatar o mal que a corrompia. O discurso moralista.
Segundo a carta, a santa igreja, na figura do seu vassalo proletariado Bispo Marconi Costa, havia excomungado todos os freqüentadores da vida noturna da região, o que acabou culminando na elucidação de uma verdade quase inquestionável. Não haveria salvação do corpo ou da alma. O homem sempre foi e será corruptível à vida noturna. É justamente esta a grande farsa que a vida prega.
Não obtendo muito êxito, Bispo Marconi resolve então tomar medidas paliativas, medidas soberanas que apenas servem para pressionar órgãos públicos, por meio do discurso do manipulador, concebendo a maior parcela do que conhecemos como democracia, ou demagogia, o direito à legitimidade.
Um abaixo assinado era, segundo o Bispo, o monumento erguido contra a impureza que definhava a sociedade.
Chegando a Minas Gerais, antes de ir para a casa da Senhorita Margô, fui visitar Maria de Lurdes Morais, filha de agricultor, mãe de dezesseis crianças. Eu a conheci quando ela, Maria, estava vendendo sua filha, Glorinha, de quatorze anos, a um caixeiro viajante, cujo nome desconheço. Ela sempre estava à mercê de quem, por umas poucas moedas, estivesse interessado em adquirir uma criança, e desta vez, eu estava.
Fui procurar Maria de Lurdes justamente por que precisava alugar seu filho, Diógenes, de doze anos, para o ofício de coroinha da igreja.
Sabia, por intermédio da própria carta enviada por Senhorita Margô, que o então Bispo tinha um cuidado especial com as suas crianças. Um amor que não condizia à relação entre pai e filho, talvez pai e mãe.
Tinha certeza que o corpo, alma, não dependiam do tempo para se corromper, mas apenas da oferta.
Um novo recorde estabelecido. Em menos de uma semana, enviei uma carta ao Vaticano contando sobre as noites de orgia entre o bispo e seus coroinhas, com o depoimento minucioso e detalhado do pequeno Diógenes. O suficiente para o singelo adeus ao abaixo assinado
Quanto ao restante dos dias em que passei na companhia da Senhorita Margo, foram excelentes tardes contemplado as memórias de duas velhas senhoras.

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