domingo, 30 de dezembro de 2007

O Leilão de Angelie

“Senhoras e senhores, entre o rosto pálido e o cálice cheio de vinho, entre lábios cobertos de uma inocência de cor bordô e o suor excessivo que deixa os trajes encharcados, há o sutil e sublime equilíbrio que rege a natureza dos homens. Equilíbrio esse que pesa os ombros e faz leve a nossa existência. Pois para sentirmos o mais doce dos perfumes é necessário saborear o odor fétido do podre.” Dizia Mário, um velho amigo leiloeiro de objetos valiosos penhorados, antes começar cada um de seus leilões. Magro, pálido e requintado, aparentava ser um mordomo e sempre estava presente no meu cabaret.
O salão estava cheio de corpos suados de calor provocado pela música, pela bebida quente e o desejo de saias sem anáguas. Estava eufórica com a alegria contagiante do lugar e planejando trocar as cortinas do cabaret com o grande lucro que aquele dia nos renderia. Passeando entre as mesas, coração disparando com o brindar das taças e múltiplas gargalhadas, notei o olhar de Angelie vindo do alto das escadas, percorrendo todo o salão. Parecia um pouco assustada com o lugar embora fosse criada dentro do meu Cabaret.
Angelie... lembro-me cuidadosamente daquela linda criança, cujo nome escolhi com o consentimento da sua mãe, Cândida, que veio parar em minha casa após engravidar de um burguês que não assumiu o filho, e ser expulsa de casa pelos pais tementes aos ensinamentos sagrados e preocupados demais com a maledicência da vizinhança.
Entretanto não é da mãe que quero falar, apesar dessa ser uma das minhas meninas mais queridas. Falo de Angelie, uma garota de pouca idade, quase uma criança, inocente até aonde a mente e a virgindade permitiam. Ao contrário de algumas filhas de prostitutas Angelie sempre admirou e se orgulhou do trabalho da mãe, pois tinha consciência de que fora com aquele ganho que pudera sobreviver e viver bem até então. Aprendeu com a mãe que os homens eram bons e caíam sempre bem à uma mulher, até o momento exato em que abriam a boca e faziam promessas inúteis as quais nunca poderiam cumprir. Desse modo, o único benefício que uma mulher sábia poderia adquirir de um homem seria o que continha nas calças entre as pernas e dentro do bolso.
Angelie conhecia bem a história de sua mãe, entretanto sobre o pai que nunca conhecera, sabia apenas seu primeiro nome, Ulisses, e que era dono de um grande restaurante herdado do pai na cidade vizinha. No mais, quando perguntávamos à pequena qual profissão exerceria, ela não tardava em exclamar que queria ser como a mamãe.
Pois dito e feito. Aquele dia Mário leiloaria os lábios intocados de Angelie, a não ser pelos seus dedos já fartos de brincar ali por fora mesmo todas as noite antes de dormir. Por isso, a casa estava mais cheia do que nunca. Homens de todas as idades entusiasmados só de imaginar em fazer o maior lance, romper a inocência da garota e encontrar abrigo apertado e encharcado para saciar o desejo.
Notei que Angelie acabara de fixar o olhar em um rapaz jovial de ombros fartos levado ali pelo pai. Antes de Angelie imaginar a possibilidade de escolher o cliente, decidi começar logo o leilão convidando Mário para recitar a introdução peculiar de seus leilões e dar início ao mesmo. Acenei para Angelie para que ela descesse as escadas e se exibisse triunfante à platéia. Apesar de tão nova, aparentava ser adulta pelo tamanho de suas pernas finas. Seu corpo ainda magro e branco parecia estremecer de uma mistura de medo e ansiedade e seus olhos castanhos, ainda pregados nos olhos do rapaz que agora correspondia aos seus.
O primeiro lance, como imaginei, foi do rapaz, é claro que o pai pagaria. Os olhos de Angelie irradiaram e imaginei o calor que ela sentira só de se sonhar com o garoto por entre suas pernas gemendo de prazer. Em seguida, outro homem que aparentava seus 60 anos de idade, alto, magro, bem vestido ofereceu um lance bem maior. Dole uma, duas...o garoto insistente, oferece um lance maior que o de seu rival. Rubens, um comerciante rico de pouca idade e cliente assíduo do cabaret, fez um lance ainda maior que o do guri que franziu a testa descontente até seu pai cochichar algo no seu ouvido. Mais outro lance do garoto. O preço era relevante e já ultrapassara minhas expectativas, podia trocar as cortinas do cabaret e quem sabe comprar novos figurinos para as minhas meninas. Quando Mário estava prestes a consentir a alta oferta do garoto e realizar a vontade ínfima de Angelie, um homem de seus 50 e poucos anos, alto, extremamente gordo, calças meio amarrotadas, rosto vermelho de tanta bebida, embriagado a ponto de grunhir, dobra o lance e vem andando de traz do cabaret, sorrindo a gargalhadas, esbarrando em algumas mesas e entornando o vinho de sua taça. Silêncio completo. Era improvável que alguém ali no salão pudesse realmente cobrir a última oferta.
Vendida!
Angelie mal entrou no quarto o homem a puxou para junto de si. O odor da bebida quase a fez vomitar, mas ela se manteve de pé frente ao homem que já lhe arrancava as saias e lhe entornava vinho entre os seus seios. Ele a empurra para a cama, e embriagado, abre a parte de cima do seu vestido e começa a degustar o sabor daquele vinho que escorria do seios ao umbigo da garota.
Angelie sente nojo, mas o pensamento de que o ato estava apenas começando faz com que ela evite pensar na pele enrugada e no odor desagradável que saía do meio das calças do homem. Todos eram iguais, pensava Angelie para se reconfortar, logo já estaria acabado e ela teria um bom capital guardado. Além do que, fora a profissão que escolhera. E pensar que o guri quase a comprou.
Nesse pensamento, Angelie nem repara que o homem já tirou as suas saias, se despiu e tocando sua cavidade intocada está prestes a adentrá-la.
Apenas um grito de dor.
Calor intenso, parece que ela vai implodir de dor, um súbito prazer lhe sobe as pernas e a preenche com movimentos bruscos e pesados quando até estava vazia. Ela crava as unhas nos próprios seios e faz os movimentos que toda mulher já nasce sabendo. Saboreia de seu próprio corpo acariciando a si mesma.
Ele segura sua cintura e ela se deixa levar. Pode sentir naquele que outrora fora um porco, seu guri, seu rapaz roliço e cheio de volúpia. Sua pele branca, macia, seu perfume de rosas, seus cabelos bem arrumados e seios reluzentes entram em contraste com a figura faminta daquele homem.
Se põe de joelhos para ele, que não tarda em cobrar de Angelie cada moeda paga naquele bordel. E cobra com força, segurando-a por trás, colocando todo peso de seu corpo farto em gordura contra o corpo da menina que agora não sabe mais se geme de dor ou prazer.
De olhos fechados ela transborda. Sente-se contrair bruscamente, mas o homem não percebe o êxtase que sem desejar proporcionara à ela e continua seus movimentos descompassados, desfrutando daquela fresta molhada, até que o ritmo aumenta e ele berra. Segura os cabelos de Angelie violentamente e a põe de joelhos de frente para si.
Angelie, ainda se contraindo apenas sente um jato quente escorrendo em seus lábios, descendo pelo pescoço até os seus seios. Lambe os lábios sorrindo.

Conta Angelie que o homem ainda embriagado e exausto se deu ao trabalho de perguntar-lhe o nome e dizer-lhe o seu enquanto calçava os sapatos e ajeitava a roupa amarrotada no corpo balofo.
Brandão. Ulisses Brandão. Dono de um grande restaurante na cidade vizinha e grato por Angelie fazer valer cada moeda de sua fortuna gasta no meu bordel. Sem dúvida, voltaria mais vezes.
Ulisses pegou o copo de vinho que deixara na cabeceira da cômoda do quarto e saiu bebendo deixando Angelie sentada na cama por um longo instante pasma.
Finalmente Angelie conhecera o pai. Não era o encontro sonhado por toda filha, mas fizera valer a pena o dinheiro que ganhara. Se de prazer gemeu agora de si própria se orgulhava.
No mais, apesar da coincidência, Ulisses era mais um cliente que saía do meu cabaret satisfeito. Pagou por todo prazer que foi capaz de suportar.
Feliz, troquei as cortinas do salão e guardei o restante do dinheiro em roupas novas para as minhas meninas, inclusive para Angelie.


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