terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Jazz

As frações que entorpecem meus sentidos são os segundos em que me iludo com a condição humana.

Noite de terça-feira, noite de jazz em meu Cabaret. Mister Sampaio e a sua banda, perdidos em uma noite escura às claras, fariam uma apresentação de três horas ininterruptas.
A magnitude de Mister Sampaio era medida pelo seu toque sutil capaz de fazer gemer seu Sax em notas que se entrelaçam aos suspiros que entoam os aplausos.
Poderia jurar que seria uma noite festiva. E por algumas horas foi.
Não passava das duas da manhã da quarta-feira, quando cruza a porta do Cabaret um sobretudo que disfarçava o corpo como uma máscara que comportava um novo rosto, como se o próprio Deus concedesse a ele o disfarce de sua semelhança.
Caminhando até o bar, logo, o sobretudo revela o prefeito Luiz Calos Costa, vulgo Luizinho Costa.
Apesar do diminutivo, tratava-se de um senhor de cinquenta e seis anos, conservador no discurso, liberal nas ações, pelo menos naquelas que dizem respeito a sua vocação a ativista da concupiscência.
Antes mesmo de Luizinho sacar de um gesto para chamar a atenção do garçom que servia o bar, me aproximei cumprimentando-o.


- Como vai o mais nobre amante de minhas meninas?

Luizinho avidamente me responde:


- Com um desejo intenso pelas meninas – ele sorri, seus dentes mostravam o amarelado – acho que o desejo não é tão nobre quanto o amante.


Eu sabia que Luizinho era fã da boa música e como a apresentação teve de ser interrompida por conta do álcool que consumira a coordenação motora do então guitarrista da banda “perdidos em uma noite escura as claras”, Oscar, convidei Luizinho a se sentar na companhia de Mister Sampaio. Caminhamos até a mesa, apresentei o prefeito aos que despojavam ali. Sentei-me duas cadeiras de distância de Sampaio para que Luizinho sentasse bem ao seu lado.
As primeiras palavras, após as devidas apresentações, expurgam o que logo se tornará o fim da conversa.


Sampaio logo disparou.


- O que atrai um prefeito a periferia da moralidade?


Como uma raposa velha, assim respondeu Luizinho.


- O vinho barato e principalmente a distância da periferia dos grandes centros. - e rapidamente, com um sorriso que o enfeitava pergunta – Jazz! Por que eu me encanto tanto pelo som torto que embala este ritmo?


- O jazz é a levada do rio que ondula na trepidação da sociedade. – Mister Sampaio ergue o antebraço sem desapoiar o cotovelo na mesa, sem perder o whisky que embebeda seu copo. A imagem de seu rosto se expande no reflexo do líquido em seu copo – o jazz é a orgia dos sons, que envolve o ritmo como em um baile de corpos nus, que explodem de prazer no fluir das notas musicais. O jazz é a oscilação do gemido de dor e de prazer.


O prefeito se surpreende e diz:


- Nossa! Então vocês estão se apresentado no lugar certo.


Mister Sampaio sorri, brinda na direção de Luizinho e conclui.


- E também ao público certo, não é? Nobre prefeito...!

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