terça-feira, 3 de novembro de 2009

O funeral

Quanto ao verme que se alimenta da ética dos homens, asfixia-se com o engodo da moral humana que afunda esta débil sociedade pós - moderna, em seu próprio detrito.
É triste a situação a que se encontra o meu grande amigo Gonçalves. Diabético, com 78 anos de idade, teve esta tarde sua perna esquerda amputada devido a um ferimento que não curava.
Fui visitá-lo na ala três, também conhecida como ala UTI, do hospital Getúlio Onofre, um hospital credenciado ao SUS (sistema único de saúde).
Oh, senhora de cordial exuberância, convida-me a valsa dos seus ordinários prantos para que assim me embebede com o seu perfume barato. O lugar tinha cheiro de morte.
A bala que atravessa o tórax do bravo soldado não se envergonha por cumprir o seu dever. Foi esse pensamento que me acometeu todas as vezes que ousei perguntar o “por que” a alguém e sempre ouvir que:
- Não a nada que se possa fazer... não há recurso... não há verba... Não há nada!
O “nada” é o mais complexo emaranhado de coisas ainda não solucionadas.
E para brindar a angústia, recebo do Dr. Wladimir Porto a notícia que, como Gonçalves não tinha família, alguém deveria providenciar o enterro da perna amputada.
Que nobre, não? Deve enterrar a perna esquerda, a perna direita, um braço, uma mão.
Quanto tempo deve levar para ter o corpo inteiro??? Quantas lágrimas derramar em cada velório??? Membro a membro, neguei-me a fazê-lo.
Sufoque-me bondoso verme! Arrebate-me deste mar, dessa sociedade democrática. Não me abandone à mercê deste lodo!

Um comentário:

Ricardo Novais disse...

Olá, boa noite!

Adorei o seu blog; suas histórias são sensacionais - há um toque de sarcasmo machadiano nos seus contos.

Um grande abraço,

Ricardo