quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Vigília

A vigília da fala em prece pede que cerce o verbo solto que prostitui o discurso torto da boca que não se cala.

Juarez Dias Gómez. Nesta tarde, enquanto lia o jornal matinal, me deparei com uma notícia que reavivou a figura do Juarez em minha memória.
O ano era mil novecentos e... Não lembro com exatidão. Mas lembro da situação.
Juarez, tempo ou outro, fazia visitas ao Cabaret, sempre com expectativas de se deliciar com Madame Mimi, uma de minhas meninas que conseguira fama pelo seu belíssimo corpo e astúcia sexual.
Em uma destas visitas, em que Juarez foi furtado pela ausência de Mimi, mandei que fosse servida, a ele, uma garrafa de conhaque.
Não necessitou de muitos goles para transbordar de sua bocarra ébria as verdades omitidas pela sobriedade.
Juarez era fundador da igreja evangélica templo da morada divina do altíssimo senhor Deus todo poderoso da qual ele se orgulhava muito. Eu sabia que me doar a ouvi-lo seria no mínimo esclarecedor.
Juarez gostava de se gabar do seu império espalhado por três continentes, cento e trinta e dois paises, trezentos e vinte e quatro estados, quatrocentas e dezesseis municípios, mais de hum milhão de fiéis espalhados pelo globo.
A idolatria do discurso encobre o rebanho com a dádiva da salvação. Mas de quem devemos ser salvos? Quem é o malfeitor na trajetória do homem? O próprio homem? O homem é seu malfeitor e dele deve-se ser salvo? Então o que resta ao homem se não a condenação? Somos uma sociedade de homens condenados à salvação do homem.
Bêbado, Juarez me confidenciou a sua verdadeira convicção de religião. Assim disse ele:
- Deus é tudo, ele é a palavra. Com ele eu condeno, com ele eu absolvo, com ele eu dou o perdão e com ele eu proclamo a salvação.
Foi então que perguntei a ele:
- E se tirássemos a condenação, absolvição, perdão e salvação? O que sobraria ao seu Deus?
E assim foi que ele me respondeu:
- Sobraria a ele a condição de homem.
Foi então que me levantei fui até a janela de meu quarto, olhei para o céu, e conversei com meu Deus.
O que fizerem de ti? Um discurso persuasivo a uma sociedade desiludida pela sua esfacela real, iludida pela maquiavélica introdução da necessidade de prosperar em um futuro estagnado a situação de morto. Enquanto a única condição de existir lá e viver aqui.
Como posso me preparar para o grande espetáculo da morte se a encenação transcorre desde a primeira instância de minha vida, a minha condição de nascer para morrer, quando a minha preocupação estiver voltada para o pós- morte?
O fizeram de ti? Uma ferramenta de trabalho que enriquece o homem pela extorsão de sua verdade.
Quanto a notícia que li, trazia como titulo “Cão sarnento invade a igreja na ora do culto” e ainda não saiu de lá.

Um comentário:

Ricardo Novais disse...

Parabéns, querida; texto verdadeiramente consciente e sutilmente sarcástico. Adorei!

Um grande beijo!